quarta-feira, 22 de março de 2017

La muerte

Estou novamente aqui, sentada nessa cama espinhosa com um barulho de solidão. Estou novamente atrelada e desmembrada pela desilusão. Tenho desgosto pela cor dessas paredes, pelo som do ventilador, tenho angústia por esses móveis que não se movem assim como eu. São esses reflexos de mim mesma como minhas próprias projeções, que levam aos abismos infinitos que se translocam para inundações. Intensa mais do que a morte, eu tenho pressa de viver, mas a vida às vezes é silício, é faca de dois gumes, é faltar de querer. Não posso querer o que quero, as raízes são insistentes, pecaminosas, conturbadas.Tenho esses vícios, essas atitudes, esses desvios, esses gritos. É um vai e volta nesse turbilhão de pensamentos e sensações. Esse é o preço por fugir da ignorância? Estou perdida nesse paraíso que os homens chamam de céu, onde moram as monotonias e as crises existenciais. Essa batalha dos infernais corruptos, que corrompem a moral. Essa batalha minha, de ser aquilo que sou com toda a vergonha e brutalidade de ser. Porque ser de verdade meu bem, é porrada certa. Não estão perdidos aqueles que bajulam, estou perdida eu, aquela que é sem medo de ser. Mas tenho medo sim, porque o mundo me pede para não ser, ele diz que se eu for, a abandonada serei eu. Todo dia um tiro. BANG, BANG, BANG! Por que tão marginal? Tão limítrofe? Se o desejo está depois da linha. Minha alma não sabe lidar com os limites, com as regras nem com os falsos. Eu sou nascida da selvageria, sou loba, sou urso, sou onça, sou fera. A verdade é que eu conheço minhas tentações por isso conheço minhas feiuras. É porrada conhecer suas feiuras, mas é mais digno. Manter o controle, respirar, tolerar. Essas pílulas não me fazem efeito. Eu tenho as dores mais profundas, mais críticas e devoradoras. Essa percepção de existência, faz parte de toda essa genialidade que minha mente produz todos os dias. Essas percepções que eu tenho dos átomos e das energias, da metafísica e das práticas quânticas. Esses meus mergulhos no hiperespaço, essas minhas queimaduras pela volta ao sol e essas feridas pela caminhada nos anéis de saturno. Eu tenho pressa de viver, mas esse mundo não é para mim. Se ao menos eu tivesse asas físicas para abstrair a minha loucura. Sinto tanto essa sinestesia, esse todo. Eu não sei viver essas metades, essas pausas. Eu pulo logo no precipício e me viro para construir minhas salvações. Esses choros que eu sempre chorei, são minhas poesias sufocadas, meu mártir. Aceitei que sou apaixonada pelos meus agressores, eles me despertam e rugem, são uma distração do meu eu . As cartas sem endereço, os monólogos, as partidas, as injustiças, as divindades. Essa minha Cleópatra decadente, reflexiva e dismórfica. Tenho feito shows baratos no palco dos fundos, tenho entretido a plebe nos intervalos. Para descobrir que os palhaços são os que mais choram e que a alma é coisa para depois das nove horas. É tudo culpa dessa morte que insiste em viver.

Ísis Caldeira Prates

domingo, 19 de março de 2017

Minhas penumbras sempre falam

Amor, o jeito que segura meus peitos
Enquanto morde-me a boca
Diga-me a mulher que sou
A intensa que sou
A perversa maligna
No correr de suas mãos
Eu deixo-te tocar minha deusa
Eu deixo-te ver-me como sou
Inteira e desinibida
O que há nessas mulheres normais?
O que pode ver dessa beleza imortal?
Sou o que soul
Alma
Nascida da selvageria
Uma pequena morte
Morrem em meus braços
Dos laços eu não fico sem o nós
Você sabe quem eu sou
Mas não sabe tudo
Ainda há muito o que me decifrar
Ainda há muitas paixões para você viver comigo
Muitos dias lúdicos de lençóis febris
Você me saca quando eu estou nua
Quando eu estou sua
Mesmo sendo só minha
Das rebeldias da vida
Eu guardo minha cama vazia
Que te espera nos finais de tarde
Dois corpos num só corpo
É assim que me conheces
Das artes que pratico
A que mais me expresso é fazer amor
Com você...
Ísis Caldeira Prates

Enquanto dormes

Ísis Caldeira Prates

Loba Alfa



A loba alfa nunca dorme. Está sempre divagando em seus sentimentos. Sua mente nunca para, nunca descansa. Ela está sempre exausta, exausta de si mesma. Ela é a alfa mesmo que ninguém diga, todos sentem. Ninguém a conhece, ela é uma ilha de dificílimo acesso. Sua solidão é como um perfume que ela exala, é como uma névoa sombria que a envolve inteira. No fundo, todos sabem que ela é intocável, a estranha da matilha, a selvagem. Por nunca ter deixado ser tocada, todos a julgam, mas ninguém nunca tocou em seus pelos e viu as cicatrizes em sua pele. Ela é arredia e desconfiada, é uma fortaleza por fora, mas tem as maiores dores por dentro. A loba alfa teve que lutar muito para conseguir o seu lugar, teve que cair e mostrar os dentes várias vezes para se levantar. Ela teve que ferir as pessoas para esquecer de suas próprias feridas. A alfa tem essa majestade pública que muitos invejam, mal sabem eles das lutas sanguinolentas que ela teve que enfrentar. Ela cometeu um erro fatal, tornou-se aquilo que a feriu. Ela se tornou seu próprio carrasco, aquele que a destruiu por dentro. Então ela não se reconhece mais, ela se procura nas lembranças de quem ela era antes, mas nada faz sentido. Muitos dizem que ela era uma lobinha alegre, curiosa e meiga. Ela procura essas características, mas não vai mais achá-las. Elas ficaram nos dias felizes, no dias cheios de amor. O que a loba alfa nunca conta para ninguém, é que ela tem medo, tem muito medo dentro de si mesma. Ela tem um ponto fraquíssimo, medo do abandono. Ela foi abandonada várias vezes na vida, por isso ela é leal ao extremo com as pessoas que ela permite uma certa aproximação. Ela pode ser várias coisas horríveis, mas ela nunca abandona aqueles que dela precisam. No fundo ela sabe que não tem um coração bom, mas ela luta por um. Ela carrega uma dor de não ser compreendida, ela carrega uma dor de colo vazio, desmamaram ela muito cedo, jogaram ela no mundo sombrio sem o devido amparo, nas noites frias ela não teve colo, nos dias de medo ela não teve colo. A armadura se criou e se moldou sem pedido. Ela é profundamente triste, profundamente angustiada, sufocada nos uivos abafados. Ninguém alheio nunca tinha a desafiado, até o dia em que ela encontrou um lobo alfa, tão gigante quanto ela. Um alfa também cheio de cicatrizes, que fez ela abrir as dores e expô-las. Esse alfa encostou nas cicatrizes dela, abaixou sua guarda e trouxe de volta as memórias da lobinha. Mas também a fez travar outra batalha interna, entre o que ela era e o que ela se tornou. A casca grossa ou as roupas leves? Onde está a felicidade? O lobo alfa abalou a loba alfa, mas ele não preencheu os vazios dela. Ele também não conseguiu acessar ela por inteira, porque as profundezas dela são assustadoras demais. São cruéis e assassinas. Um dia a loba alfa vai ter coragem de retornar nas profundezas e acabar com a fonte das trevas. Ela sabe o que é o amor, ela o conhece, o problema é que um dia tiraram dela o amor mais importante de um ser, o amor próprio. Hoje a loba alfa está soltando seus uivos abafados, quem sabe a luz da lua consegue afastar suas trevas.
Ísis Caldeira Prates

Amor à dois



Nesse multiverso, de múltiplas existências
Múltiplos paralelos e saídas
De múltiplas escapatórias e prisões
Nesse aglomerado insano de espaço tempo
Nesse desvelar fugaz de faces insossas
Nesse lugar de membros retraídos
Eu abracei você
Com todos os significados que um abraço tem
Eu acariciei você
Mesmo com todos os medos que eu tinha
Eu olhei para você
Talvez por um último insight de sensatez
Eu não fui roubada nem invadida
Eu fui tocada devagar e profundamente
À cada toque um suspiro de ligação com o infinito
Um quebra do tempo escravocrata
Descobri que o amor nos salva da morte
Que amar à dois é um ato de libertação
É um escudo contra as mazelas do mundo
Um instante de silêncio flutuando fora da gravidade
O amor é cheio de buracos de minhoca
Nos teletransporta para diversas dimensões
Às vezes somos atacados por chuvas de meteoros invejosos
Somos atacados pelo "lado ruim da força"
Mas brilhantemente nós desviamos calmamente
Sem agredir de volta os agressores
O amor ensina essa calmaria
Essa vida em comunidade
Essa tentativa de ser melhor
Um amor de conexão profunda
Está muito além das palavras e das ações
É um tipo de certeza energizada
Que vibra numa simples troca de olhar
Eu olho para esse amor e me sinto admiravelmente feliz
Nesses contornos do teu corpo
Eu encontro as entregas que eu preciso
As coragens que eu nunca tive
E as delicadezas que eu deliberadamente nunca dei
Ísis Caldeira Prates

Desvios

Quanto você conhece da sua própria vida? Quando você sentiu que era a hora certa de pular? Era a sua virada na vida? Estamos percorrendo estradas de acesso difícil e acostamentos sujos. Eles nos cobram pelos desvios, mas estes são os momentos em que podemos olhar um outro horizonte. Esses são os momentos em que de algum conto pueril, podemos nos deparar com um espaço à sós. Os desvios que buscamos são como parar de frente para o mar, de frente para o céu e nos perguntar qual o sentido do que estamos vivendo. Um tempo consigo mesmo, sem embates, sem torturas, sem tumultos e sentimentos hostis. Um minuto de silêncio interno, apreciando apenas a essência da natureza que há de particular em nós. Que eu possa viver meus delírios e minhas tristezas, que eu possa viver minhas dúvidas e incertezas, que eu possa viver essa loucura que há em mim. Que eu possa viver minhas intensidades. Diante desse céu imenso, me deixo ser aquilo que sou, sem esse peso de lucidez ou de perfeição, sem essa prisão de censuras e limites diplomáticos. Do meu eu apenas eu sei, apenas eu vivo, apenas eu sigo. E as incapacidades que me colocaram, que eu não me perturbe com elas. Quero apenas esses desvios de suspiro profundo, de olhos fechados e mutilados sem nenhuma timidez. Deixe-me apenas sentir minhas angústias e devorá-las como parte de mim. Das pessoas nesse horizonte, eu nada quero. Quero apenas essa parte inteira de mim, esse pedaço que tiram de nós quando nascemos, e em troca nos dão esses deveres punitivos. Eu sou fruto dos meus desvios e das minhas rebeldias, ainda me vejo na matrix, mas dela eu não sou. Os campos floridos querem nos dizer algo, eles estão escondendo sua melancolia de terem o dever de estar floridos o ano inteiro.
Ísis Caldeira Prates