quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Amaterasu

Qual é a trilha sonora da sua vida? O que você ouve quando está sozinho e perdido em seu próprio vazio? Queria saber em que momento da minha história foi aberta essa passagem onde esse espaço cheio de substância negra habita. De onde veio essa cratera em meu peito, onde nada nasce ou floresce. Não é um deserto e nem uma caatinga. É um grande nada tão avassalador quando o tamanho do universo. Enquanto a minha superfície está calma, sigo como uma andarilha errante nesse espaço perdido. É como se o amaterasu tivesse sido usado aqui e nada mais sobrou. Eu descobri que o nada dói, e dói como a pior de todas as dores porque não há nada à se fazer. Não é possível plantar e nem colher. É um grande espelho onde eu estou rodeada de mim mesma. É o único lugar entre as dimensões ao qual eu não posso escapar da minha pessoa. Mesmo com todas as possibilidades acontecendo e mesmo com o passado, presente e futuro vivos. Eu me mantenho em vigília, pois aqui não se pode dormir. A cada minuto a mais que passo aqui, me torno cada vez mais feroz, mais animalesca, mais solitária. Acaba se tornando um vício ficar neste lugar, onde todas as pragas passaram e levaram tudo de mim. Muitos dizem que ninguém é uma ilha, mas creio que este ponto do vazio é o lugar onde ninguém pode chegar. As viagens, o sucesso, o dinheiro e as fotos não te tiram de lá. Não há como iluminar a luz e nem há como apagar a escuridão. Enquanto eu não souber quem eu sou, serei apenas uma figura de mim mesma, a cópia imperfeita, a caverna de Platão. A verdade é que nesse nada mora a verdadeira eu, com todas as trevas que cultivei ao longo dos milênios. Eu sou o meu próprio amaterasu e com isso choro sangue vez ou outra. Esse incêndio silencioso queima dia após dia, enquanto eu sorrio para o mundo. As mazelas deste, não me assustam, nada é pior do que esse vácuo atemporal que habita em mim.

Ísis Caldeira Prates




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