domingo, 19 de março de 2017

Loba Alfa



A loba alfa nunca dorme. Está sempre divagando em seus sentimentos. Sua mente nunca para, nunca descansa. Ela está sempre exausta, exausta de si mesma. Ela é a alfa mesmo que ninguém diga, todos sentem. Ninguém a conhece, ela é uma ilha de dificílimo acesso. Sua solidão é como um perfume que ela exala, é como uma névoa sombria que a envolve inteira. No fundo, todos sabem que ela é intocável, a estranha da matilha, a selvagem. Por nunca ter deixado ser tocada, todos a julgam, mas ninguém nunca tocou em seus pelos e viu as cicatrizes em sua pele. Ela é arredia e desconfiada, é uma fortaleza por fora, mas tem as maiores dores por dentro. A loba alfa teve que lutar muito para conseguir o seu lugar, teve que cair e mostrar os dentes várias vezes para se levantar. Ela teve que ferir as pessoas para esquecer de suas próprias feridas. A alfa tem essa majestade pública que muitos invejam, mal sabem eles das lutas sanguinolentas que ela teve que enfrentar. Ela cometeu um erro fatal, tornou-se aquilo que a feriu. Ela se tornou seu próprio carrasco, aquele que a destruiu por dentro. Então ela não se reconhece mais, ela se procura nas lembranças de quem ela era antes, mas nada faz sentido. Muitos dizem que ela era uma lobinha alegre, curiosa e meiga. Ela procura essas características, mas não vai mais achá-las. Elas ficaram nos dias felizes, no dias cheios de amor. O que a loba alfa nunca conta para ninguém, é que ela tem medo, tem muito medo dentro de si mesma. Ela tem um ponto fraquíssimo, medo do abandono. Ela foi abandonada várias vezes na vida, por isso ela é leal ao extremo com as pessoas que ela permite uma certa aproximação. Ela pode ser várias coisas horríveis, mas ela nunca abandona aqueles que dela precisam. No fundo ela sabe que não tem um coração bom, mas ela luta por um. Ela carrega uma dor de não ser compreendida, ela carrega uma dor de colo vazio, desmamaram ela muito cedo, jogaram ela no mundo sombrio sem o devido amparo, nas noites frias ela não teve colo, nos dias de medo ela não teve colo. A armadura se criou e se moldou sem pedido. Ela é profundamente triste, profundamente angustiada, sufocada nos uivos abafados. Ninguém alheio nunca tinha a desafiado, até o dia em que ela encontrou um lobo alfa, tão gigante quanto ela. Um alfa também cheio de cicatrizes, que fez ela abrir as dores e expô-las. Esse alfa encostou nas cicatrizes dela, abaixou sua guarda e trouxe de volta as memórias da lobinha. Mas também a fez travar outra batalha interna, entre o que ela era e o que ela se tornou. A casca grossa ou as roupas leves? Onde está a felicidade? O lobo alfa abalou a loba alfa, mas ele não preencheu os vazios dela. Ele também não conseguiu acessar ela por inteira, porque as profundezas dela são assustadoras demais. São cruéis e assassinas. Um dia a loba alfa vai ter coragem de retornar nas profundezas e acabar com a fonte das trevas. Ela sabe o que é o amor, ela o conhece, o problema é que um dia tiraram dela o amor mais importante de um ser, o amor próprio. Hoje a loba alfa está soltando seus uivos abafados, quem sabe a luz da lua consegue afastar suas trevas.
Ísis Caldeira Prates

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