domingo, 3 de janeiro de 2021

Não é sobre amor

 O amor se foi... Levando com ele a maior parte do que havia de bom em mim. O amor se foi brutalmente como o soco de um pugilista. Agora eu não sei se era ele que dava sentido a minha vida ou se na verdade o amor é um luxo que os humanos não tem. Eu tenho sido forte por muito tempo, mas que porra eles querem de nós nessa merda de jogo? Estou cada dia mais louca, mais sombria, e quem não está? Se ao menos minha tristeza fosse minha redenção... Quem serão os desalmados que lerão o que escrevo? Eu escrevo para não enlouquecer, deve haver alguma glória nisso. Eu ainda sou tão jovem, mas parece que tenho mil anos. É como se eu estivesse vagando pela Terra só para sentir ela girar. Como Jesus no deserto, acho que acabei enlouquecendo nas areias do meu. Agora sou uma jovem velha empoeirada, radiante por fora, mas sombria por dentro. No fundo, é o amor ou talvez a personificação dele, quem mais conhece nossos demônios. Sinto falta de algo que conheça meus demônios e de conhecer os demônios de outrem. Sempre fui boa com palavras, mas escrever é o meu triunfo. Essa guerra de quem chega primeiro me tira a paz. Chegar primeiro onde? É um grande labirinto, estamos todos perdidos, não conhecemos ninguém que saiu e voltou pra contar a história. Mesmo assim, desde o dia em que nascemos começamos a morrer. Sim, eu já tive algumas alegrias genuínas, mas eu só escrevo bem quando estou triste. 

Ísis Caldeira Prates


sábado, 19 de dezembro de 2020

Desencontro

 Me conheci naquele fatídico dia de domingo, deitada na minha cama imersa em meus pensamentos. Quase em um estado meditativo, um pouco feroz como sempre fui e ainda sou. Ouvindo meu vazio lotado de traumas invisíveis, apenas aquelas sensações, como um cego no tiroteio. Estar constantemente cheia de mim, no meu limbo de eternidade, a minha ligação com o divino. Ainda assim, perdida nesse paraíso que é ser humana, imagem e semelhança, mas de quê? Eu já estive cansada, hoje sigo admirando a paisagem, o fardo não pode ser mais importante do que essa vista ensolarada. Aqui dentro nunca anoitece, por isso nunca durmo, estou sempre acordada em mim mesma. Não há como fugir desse paraíso cheio de desencontros numa mesma avenida. Esta via de mão dupla não me deixa esbarrar em outrem, sigo lado a lado com essas versões de mim nesse fatídico dia de domingo, onde não me encontro no inferno, nem no céu, mas nesse eterno tribunal, prestando contas dos meus desesperos causados justamente por quem joga o dados... Seria eu ou Deus? 

Ísis Caldeira Prates



quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Nas profundezas marinhas

Estou de volta, não sei porquê vim. Ainda é tão frio e escuro aqui, tão antigo e assustador. Parece que nada mudou, mas as pedras estão mais desgastadas, a vegetação está mais seca e a maré me parece tão alta... Eu ouço o chamado, o som das baleias, elas querem me mostrar algo. Como um canto das sereias, uma força me chama para mergulhar fundo, sei que as águas vivas vão me queimar, mas eu não tenho medo dessa dor. Mergulho mais e mais fundo, sob a luz da lua que corta essa água turva e salina. Os peixes passam em cardumes, estão tranquilos e lentos, têm um ar de velório e um cheiro de cemitério. Então eu à vejo, grande e majestosa, Lola, minha baleia jubarte, ela me chama com uma vibração profunda, não posso recusar. Assim que a luz da lua para de iluminá-la, eu vejo ele... Uma dor em meu peito surge como um golpe sujo. é o barco dele bem aqui no fundo do meu mar. De novo o filme passa pela minha cabeça, aquele dia, maldito dia, inexplicável dia em que você se foi. Por que eu sempre volto aqui? Quantas vezes mais? eu engoli você naquela tempestada, você pulou do barco e eu pensei ter te matado aqui, mas você se foi, sobreviveu para contar a história. Eu estva tão furiosa que não te vi escapar, eu ainda te odeio e por isso eu te amo e te amo porque não tem nesse mundo um amor tão grande como eu te dei. Você me perguntou se ainda era meu tesouro e eu disse que sim. Um erro grave, desesperado. Eu devia ter mentido, devia ter te deixado perdido, mas eu sempre te salvei. você está lá em cima, na mata em algum lugar. Sinto que qualqer dia eu vou até a superfície e você estará na costa acenando pra mim. Você era o meu santuário, uma parte de mim. Meu pedacinho de céu, que me fez ficar perdida no paraíso. Dessa vez eu não vim aqui para gritar com você. Estou de volta para te entender, parar e pensar sobre o que eu nunca pensei. E por mais que não pareça, você merece o meu perdão e a minha dor, também falhei com você, também fui cruél e vingativa. Desde aqule dia em que eu afundei seu barco, eu não tive paz. Vivo apreciando outros e sorrindo para eles, mas munca mostro quem sou. Eles não tem nada de mim, nem uma moeda de ouro e nem um olhar de amor. Você levou minhas relíquias, as coisas que eu mais gostava. Você me tirou o prazer de te olhar com paixão, era o que eu mais amava fazer. Lembro que às vezes eu parava, olhava para você e pensava "eu posso sentir paixão por ele pelo resto da minha vida", e então meu peito ardia com a vibração de te ter ali. Você não sabe, mas eu sempre te vejo escondido entre as palmeiras olhando para mim. Com aqueles olhos cansados e tristes, aqueles olhos de saudade, aqueles olhos assustados, aqueles olhos infantis. Mas eu finjo que não vejo, finjo que você nem está ali, para não doer em voz alta e só doer baixinho onde só a Lola pode ouvir. Você não volta porque tem medo de mim, acha que vou te afogar de novo e partir seu barco. Não vou mais, não quero mais fazer isso porque já não sinto mais raiva de você. Eu ainda sinto sua presença, ainda sinto suas angústias e suas tristezas, eu sempre sei como você está porque meu coração ainda queima quando o seu me chama. Este chamado não acontece com tanta frequência mais, e quando acontece você interrompe bruscamente. Mas sinto lhe dizer, não tem jeito, o seu azul estará sempre ligado no meu. Somos almas que se procuram na eternidade e mesmo com tantos atritos, você sempre volta e eu sempre te recebo. Pode parecer fraqueza, mas eu prefiro chamar de missão. Ninguém se encaixa em você como eu, ninguém te dá tanto sentido. Nosso akai ito segue seguro, e por mais orgulhosos que sejamos, eu sei que o amor ainda vive. Ninguém sabe sobre nós, das nossas conversas, das nossas noites, dos nossos banhos, dos nossos sexos, das nossas comidas e das nossas vergonhas ou falta delas. Foi avassalador e nós dois sabemos, por mais que tenha acabado mal, tudo se regenera. O tempo tem sido um bom aliado, eu sigo vivendo, mas olhando sempre no relógio. A hora certa vai chegar e você vai acenar para mim da beira mar. Eu vou me sentir em casa novamente e mergulharemos mais fundo nesse delírio que chamamos de amor. Nas profundezas marinhas, histórias de marinheiros e do mar ficam guardadas para serem achadas no primeiro raiar do dia. 

Ísis Caldeira Prates



quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Amaterasu

Qual é a trilha sonora da sua vida? O que você ouve quando está sozinho e perdido em seu próprio vazio? Queria saber em que momento da minha história foi aberta essa passagem onde esse espaço cheio de substância negra habita. De onde veio essa cratera em meu peito, onde nada nasce ou floresce. Não é um deserto e nem uma caatinga. É um grande nada tão avassalador quando o tamanho do universo. Enquanto a minha superfície está calma, sigo como uma andarilha errante nesse espaço perdido. É como se o amaterasu tivesse sido usado aqui e nada mais sobrou. Eu descobri que o nada dói, e dói como a pior de todas as dores porque não há nada à se fazer. Não é possível plantar e nem colher. É um grande espelho onde eu estou rodeada de mim mesma. É o único lugar entre as dimensões ao qual eu não posso escapar da minha pessoa. Mesmo com todas as possibilidades acontecendo e mesmo com o passado, presente e futuro vivos. Eu me mantenho em vigília, pois aqui não se pode dormir. A cada minuto a mais que passo aqui, me torno cada vez mais feroz, mais animalesca, mais solitária. Acaba se tornando um vício ficar neste lugar, onde todas as pragas passaram e levaram tudo de mim. Muitos dizem que ninguém é uma ilha, mas creio que este ponto do vazio é o lugar onde ninguém pode chegar. As viagens, o sucesso, o dinheiro e as fotos não te tiram de lá. Não há como iluminar a luz e nem há como apagar a escuridão. Enquanto eu não souber quem eu sou, serei apenas uma figura de mim mesma, a cópia imperfeita, a caverna de Platão. A verdade é que nesse nada mora a verdadeira eu, com todas as trevas que cultivei ao longo dos milênios. Eu sou o meu próprio amaterasu e com isso choro sangue vez ou outra. Esse incêndio silencioso queima dia após dia, enquanto eu sorrio para o mundo. As mazelas deste, não me assustam, nada é pior do que esse vácuo atemporal que habita em mim.

Ísis Caldeira Prates




domingo, 12 de maio de 2019

A escolha

Hoje eu acordei junto com o amanhecer. Saí de dentro da minha velha casa, o vento soprou meu cabelo e eu vi os pássaros no céu. Eles voavam tão livres em volta da minha casa velha que eu quase senti minhas algemas. Enchi meus pulmões de ar e me perguntei: "para onde estou indo?", como se eu pudesse encontrar um carro e me distanciar milhas daqui. Talvez a pergunta certa seria "como essa casa ficou assim?". Da mesma forma a qual não sabemos como os vírus entraram na existência biológica, eu também não sei quando eu cheguei aqui. Talvez isso seja parte da minha alma antiga, talvez isso seja eu. Os anos vão passando e eu continuo habitando todos esses cômodos cheios de memórias, parece que aqui eu guardo as dores que a eternidade faz. Aqui é o meu local de penitência e de punição. Dizem que nós nascemos para sermos felizes, mas viver é sinônimo de dor. A eternidade nos promete salvação, mas sinto que que isso me tira a escolha. É como chorar na chuva, você não sabe o quanto de você tem na água caindo, então o que você sente fica mascarado e é por isso que nos sentimos melhor em seguida. Eu preciso sentar do lado de fora e chorar no mais profundo silêncio para que eu possa entender de onde vem tudo isso. Esse drama de fazer parte do todo e mesmo assim ser individual, me parece piada. E é por isso que existe essa angústia que não alivia e que co-existe dentro de nós. O que nos move profundamente? De onde vem a esperança? O que é a falta e o vazio? É por isso que caímos de joelhos quando o nada começa a fazer barulho? É preciso fazer várias escolhas e depois pensar em todas as possibilidades que ficaram para trás. Eu gostaria de poder ir em cada mundo paralelo e em cada dimensão. Eu queria mergulhar na menor partícula atômica e mesmo assim eu sinto que não obteria as respostas. Pode ser que a plenitude venha do contentamento, por isso passamos uma vida inteira fingindo que entendemos tudo. Eu preciso fazer uma escolha e eu não posso hesitar. Apesar de termos todo o tempo do mundo, nós não temos tempo nenhum. Eu estou sempre perdendo e dificilmente me transformando. Não quero que a vida saiba dos meu ressentimentos e é por isso que essa casa existe. Nosso Deus é o tempo e nós temos vergonha de desperdiçá-lo até mesmo quando é necessário. Eu tenho vergonha de não reverenciar o tempo, como se o mesmo soubesse assim como a minha mãe sabe quando eu estou mentindo.

Ísis Caldeira Prates   


quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Amnésia

Acordar um dia e não lembrar de nada. Não lembrar quem eu sou e nem porquê estou aqui. Não lembrar de você e nem lembrar de mim. Acordar sem seu fantasma me acompanhando pela casa e sem seus detalhes fazendo ressonância na minha cabeça. Acordar e tirar todos os seus direitos sobre mim. Já faz muito tempo, mas ainda parece que foi ontem. Você devia ter levado tudo, porém brilhantemente deixou essa mochila detrás da porta do meu quarto. Já não dói mais, só que existe e sempre vai existir. Eu odeio você porque te amo. Não te quero de volta, não temos mais fôlego para isso. Mas você é o ponto de referência apesar de todo o mal que me causou. Você é uma extensão de mim, é meu akai ito. A vida continua, nós não nos olhamos mais. Entretanto você sabe e eu sei que o novelo nunca se desfaz. Desejo-te uma vida alegre, apesar de já ter te desejado a tristeza. Depois de tanto tempo eu percebi o que não era. Outros seres estão vindo na minha direção e eu consigo conhecê-los, mas eles não podem se entrelaçar à mim. O meu campo de girassóis é onde joguei sua mochila, quando eu não sei quem eu sou, sigo até lá e grito com você, te bato, te xingo, te maltrato e choro alto. Você sabe quem eu sou e eu sei quem você é. Foi exatamente por isso que não pudemos continuar. Estar junto era uma sangria de almas, uma super nova de alta energia. Um dia virou buraco negro. A ciência ainda não consegue explicá-los, portanto não sabemos o que pode acontecer. Eu só sei de uma coisa nesse momento. Acordar amanhã e não lembrar de você. Acordar amanhã e me perder feio de mim. Acordar sem fraquezas, sendo apenas a gigante que eu sou. Acordar amanhã e nascer de novo. Errando em outros caminhos e mesmo assim, esbarrar em você. Ps: até a próxima vida...


Ísis Caldeira Prates 

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Balanço do fim do mundo

Então é isso. Agora tenho 21. E como Adele, também fiz um álbum. São imagens e músicas de mim em alta fidelidade. Impressões, monólogos, olhares de espelhos, milímetros, ângulos e metamorfoses. Não é sobre você, é sobre mim. Das incontáveis transgressões que eu cometi, olhar-me como todas as mulheres que eu fui e todas as mulheres que eu ainda posso ser. A melhor de todas, eu. De todos esses infinitos pelos quais eu continuo vagando, sentido os perfumes e as síndromes. Quem dera eu pudesse alcançar as minhas promessas, agarrá-las por uma fração de segundo e dizer um profundo sim. Quem dera eu pudesse ouvir meus ecos e dizer para o universo o porquê de mim. São 21 anos passando por quatro estações. Das loucuras que cometi, apenas a sensatez. Talvez eu seja um cacto nesse deserto de almas volúveis e a vida seja um balão indo ao meu encontro. Nesse balanço de incontáveis crises, eu voo ao céu e toco meus pés no chão para pegar impulso. No palco do meu teatro, eu dou preferência à tragédia, porque viver já é cômico e não existe tragédia sem amor. De tudo o que eu busquei até hoje, notei que minha Ísis era a onisciência. Eu já sei de tudo e saber de tudo, ah... Isso sim é o fim do mundo.

Ísis Caldeira Prates