Estou de volta, não sei porquê vim. Ainda é tão frio e escuro aqui, tão antigo e assustador. Parece que nada mudou, mas as pedras estão mais desgastadas, a vegetação está mais seca e a maré me parece tão alta... Eu ouço o chamado, o som das baleias, elas querem me mostrar algo. Como um canto das sereias, uma força me chama para mergulhar fundo, sei que as águas vivas vão me queimar, mas eu não tenho medo dessa dor. Mergulho mais e mais fundo, sob a luz da lua que corta essa água turva e salina. Os peixes passam em cardumes, estão tranquilos e lentos, têm um ar de velório e um cheiro de cemitério. Então eu à vejo, grande e majestosa, Lola, minha baleia jubarte, ela me chama com uma vibração profunda, não posso recusar. Assim que a luz da lua para de iluminá-la, eu vejo ele... Uma dor em meu peito surge como um golpe sujo. é o barco dele bem aqui no fundo do meu mar. De novo o filme passa pela minha cabeça, aquele dia, maldito dia, inexplicável dia em que você se foi. Por que eu sempre volto aqui? Quantas vezes mais? eu engoli você naquela tempestada, você pulou do barco e eu pensei ter te matado aqui, mas você se foi, sobreviveu para contar a história. Eu estva tão furiosa que não te vi escapar, eu ainda te odeio e por isso eu te amo e te amo porque não tem nesse mundo um amor tão grande como eu te dei. Você me perguntou se ainda era meu tesouro e eu disse que sim. Um erro grave, desesperado. Eu devia ter mentido, devia ter te deixado perdido, mas eu sempre te salvei. você está lá em cima, na mata em algum lugar. Sinto que qualqer dia eu vou até a superfície e você estará na costa acenando pra mim. Você era o meu santuário, uma parte de mim. Meu pedacinho de céu, que me fez ficar perdida no paraíso. Dessa vez eu não vim aqui para gritar com você. Estou de volta para te entender, parar e pensar sobre o que eu nunca pensei. E por mais que não pareça, você merece o meu perdão e a minha dor, também falhei com você, também fui cruél e vingativa. Desde aqule dia em que eu afundei seu barco, eu não tive paz. Vivo apreciando outros e sorrindo para eles, mas munca mostro quem sou. Eles não tem nada de mim, nem uma moeda de ouro e nem um olhar de amor. Você levou minhas relíquias, as coisas que eu mais gostava. Você me tirou o prazer de te olhar com paixão, era o que eu mais amava fazer. Lembro que às vezes eu parava, olhava para você e pensava "eu posso sentir paixão por ele pelo resto da minha vida", e então meu peito ardia com a vibração de te ter ali. Você não sabe, mas eu sempre te vejo escondido entre as palmeiras olhando para mim. Com aqueles olhos cansados e tristes, aqueles olhos de saudade, aqueles olhos assustados, aqueles olhos infantis. Mas eu finjo que não vejo, finjo que você nem está ali, para não doer em voz alta e só doer baixinho onde só a Lola pode ouvir. Você não volta porque tem medo de mim, acha que vou te afogar de novo e partir seu barco. Não vou mais, não quero mais fazer isso porque já não sinto mais raiva de você. Eu ainda sinto sua presença, ainda sinto suas angústias e suas tristezas, eu sempre sei como você está porque meu coração ainda queima quando o seu me chama. Este chamado não acontece com tanta frequência mais, e quando acontece você interrompe bruscamente. Mas sinto lhe dizer, não tem jeito, o seu azul estará sempre ligado no meu. Somos almas que se procuram na eternidade e mesmo com tantos atritos, você sempre volta e eu sempre te recebo. Pode parecer fraqueza, mas eu prefiro chamar de missão. Ninguém se encaixa em você como eu, ninguém te dá tanto sentido. Nosso akai ito segue seguro, e por mais orgulhosos que sejamos, eu sei que o amor ainda vive. Ninguém sabe sobre nós, das nossas conversas, das nossas noites, dos nossos banhos, dos nossos sexos, das nossas comidas e das nossas vergonhas ou falta delas. Foi avassalador e nós dois sabemos, por mais que tenha acabado mal, tudo se regenera. O tempo tem sido um bom aliado, eu sigo vivendo, mas olhando sempre no relógio. A hora certa vai chegar e você vai acenar para mim da beira mar. Eu vou me sentir em casa novamente e mergulharemos mais fundo nesse delírio que chamamos de amor. Nas profundezas marinhas, histórias de marinheiros e do mar ficam guardadas para serem achadas no primeiro raiar do dia.
Ísis Caldeira Prates